Nego Drama

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Pobreza ou desigualdade não geram crimes em si




A riqueza tem cor
A desigualdade social não é a causadora do crime em si, mas o fato é que pessoas mais carentes, ou com pouco estudo, tendem a cometer crimes menos complexos como o roubo e furto, além de pequenos tráficos. Enquanto pessoas mais estudadas e com maiores recursos tendem a cometer delitos mais elaborados como o estelionato (golpes), crimes tributários, desvios de recursos e crimes de colarinho branco, os quais são mais difíceis de provar. Exemplo, uma pessoa mal vestida não conseguiria dar um golpe (estelionato) em uma loja, logo ele entra, subtrai a mercadoria e sai correndo (furto).
Outra diferença é que nos crimes mais elaborados as vítimas tendem a “perdoar” quando o criminoso devolve o valor subtraído uma vez descoberto. Como não é descoberto sempre, acaba ficando no lucro.
Nas últimas décadas tem sido imposto o conceito de que pobreza gera crime. Aliás, para muitos não é a pobreza em si, mas sim a desigualdade social, o que é medido com base no Índice GINI elaborado pela ONU (o qual mede o grau de desigualdade entre a parcela mais rica e a da distribuição de renda no país). Neste caso, o Brasil realmente está entre os primeiros do mundo na desigualdade social.

Inicialmente destaca-se que apesar de o Código Penal ter aproximadamente 1.600 delitos penais previstos, apenas três respondem por quase 80% dos presos no Brasil (furto, roubo e pequenos tráficos).
Importante ainda ressaltar isto, pois se faz necessário questionar as pesquisas sobre crime no Brasil, as quais são muito recentes e não mostram o retrato atual do que acontece.  
A rigor, alguns estudos criminólogos, elaborados mais por sociólogos do que por operadores de Direito, indicam que no Brasil para cada 100 crimes cometidos apenas um é punido. E ainda a pesquisa do IBGE em 2010 constatou que menos da metade das pessoas vítimas de furto (sem violência) ou roubo (com violência)  procuram a  polícia.  Este fato chamamos de “cifra negra”, ou seja, número de delitos cometidos  que não chegam a ser apurados ou punidos.
O meio jurídico é focado excessivamente na pena e muito pouco com meios preventivos ou estatísticos. O crime acaba alimentando um mercado de processos judiciais, tanto que nas faculdades de Direito não se estuda “Direito Criminal”, mas sim  “Direito Penal”.  Além de alimentar a indústria de produtos e serviços de segurança.
O que se vê na prática é que as pessoas têm dificuldade para comunicar o crime, o que poderia ser feito através da internet. Mas, alguns órgãos policiais não querem perder o poder de triagem e preferem gastar quase uma hora para lavrar uma ocorrência de crime em vez de permitir que a vítima faça isto pela internet, por exemplo.  No modelo atual  a vítima não consegue acompanhar a sua comunicação de crime, nem mesmo pela internet, o que acaba desestimulando o controle social sobre este serviço.
O sistema judicial, em geral, trabalha com o que a polícia quis formalizar. Portanto, não se pode medir “crime” pelos presídios, pois naquele momento já se fez a seleção, o que tem induzido em erro muitas pesquisas. Exemplificando, se a PM fizer blitz somente nas periferias e abordar veículos ou motos mais simples, apenas teremos processos penais contra pessoas mais simples.
Outro grande mito é achar que todo crime gera prisão como se crime e prisão fossem necessariamente a mesma coisa. Contudo,  há aproximadamente 500 mil pessoas cumprindo pena de prisão no Brasil, porém temos em torno  do mesmo número cumprindo pena alternativa (sem prisão).
A mente do criminoso habitual funciona como a de um comerciante, ou seja, busca o lucro e analisando o risco de ser pego e até mesmo a possibilidade de cumprir a pena.
A partir da década de 80 iniciou-se um movimento de quase idolatria ao réu e acentuou-se o esquecimento da vítima. Exemplo, em um crime de estupro o sistema jurídico praticamente nada oferece à mulher estuprada e vítima do crime, mas moverá o mundo para “ressocializar” o réu, incluindo assistência médica, psicológica, jurídica e até emprego. O mesmo acontece no homicídio, a família da vítima nada recebe do Estado.  O preso tem até “férias” de 35 dias ao ano (saídas temporárias), além do auxilio reclusão se estiver inscrito no INSS ou período de carência.  Hoje o réu sabe que tem poucas chances de ser flagrado e de ser preso, pois a defesa chega a ajuizar dezenas de recursos para que o réu fique solto e o crime prescreva, ou seja, não haja pena.
Nesta visão romântica do criminoso se esquece de que a mente psicopata não tem cura, pois é transtorno de caráter e pode até ser constatada através de ressonâncias magnéticas e por isto alguns setores reagem a exames neste sentido. Nem todo psicopata é criminoso e nem todo criminoso é psicopata, mas há uma relação acima da média entre estes dois fatores. Temos psicopatas inteligentes que poderão cometer delitos com “alto lucro”, como corrupção. E outros menos inteligentes que poderão cometer furtos e roubos. Isto é, se forem estudados e inteligentes não vão ficar furtando carteiras na rua, mas usarão a internet para dar golpes milionários e mais difíceis de serem pegos. Contudo, neste último delito não vai haver viaturas com policiais correndo atrás.
Logo, o grau de escolaridade do criminoso serve apenas para mudar o tipo de delito cometido.

O ditado “empresa quebrada e dono rico”, demonstra uma realidade de que muitos usam empresas para darem golpes e que são mais difíceis de serem provados. Além disso, há setores do Judiciário que tendem a exigir provas quase que impossíveis para se provar o crime ou então dar uma interpretação bem restritiva à lei quando se trata destes crimes elitizados.
Outro aspecto é o fato de que poucas pessoas sabem que venda casada de produtos é crime (Lei 8.137/90), logo não acionam a polícia, o que é uma faceta da “cifra negra”. Mas, todos sabem que furtar é crime.
A “triagem” de crimes é feita também na fase judicial (processual), porém a maior amplitude é na fase policial. E por isto é preciso aumentar atualmente o controle como colocar GPS nas viaturas policiais, exigir filmagens das abordagens, prestação de contas, lançamento das ocorrências na internet com consulta mediante senha e muito mais.
Existe um delito que tende a igualar ricos e pobres quando cometido no calor dos fatos que é o homicídio doloso (assassinato passional), mas em geral os crimes são diferentes em cada classe social. Se eventualmente um rico cometer um furto, a tendência é dizer que é cleptomaníaco e a própria vítima não procurará a polícia.
Normalmente, as pessoas que cometem crimes patrimoniais não gostam muito do trabalho, da rotina, da disciplina, têm muita ambição, acham-se mais inteligentes e preferem arriscar a obterem maiores lucratividades com atividades ilícitas. Afinal, não podemos crer que o tráfico de drogas, que é um dos maiores comércios do mundo, tenha os seus líderes morando em morros, favelas ou periferias. Na verdade, os grandes traficantes que lideram tudo intelectualmente estão nos bairros nobres. Ou seja, tanto pobre como rico cometem crimes, diferenciando apenas na forma. A rigor, “educar” estas pessoas não é como se tem pensado em dar apenas ensino escolar, mas sim, repensar os valores ensinados.
É preciso ressaltar que a impunidade grassa de tal forma que já se vê alguns integrantes da classe média e alta cometendo crimes de furto ou roubo, mas isto tem acontecido mais em razão do uso de drogas, em geral, o crack ou de excessiva preguiça para trabalhar ou estudar, bem com ambição exacerbada.
O que tem influenciado no aumento de crimes é a impunidade e também o próprio fato atual de tratarem os criminosos como se fossem as vítimas da sociedade. E então eles perdem a vergonha e o Estado perde o controle social. Imagine em uma sala de aula se o aluno mal comportado não tiver sanção ou se for tratado com privilégios, o que acontecerá? A tendência será que os outros também mudem para o mau comportamento e o efeito seria ampliado. O mesmo vale para uma empresa, a qual em vez de punir, então iria promover para tratar o coitado do servidor que desviou a verba.  No entanto, isto é o que tem acontecido no sistema criminal atualmente.
A questão não é de assistência jurídica, o que ocorre é que o crime de furto é fácil de condenar depois de descoberta a autoria. No estelionato além de ser difícil de provar a autoria, quando eventualmente esta é descoberta, ainda é difícil provar o que chamamos de “dolo antecedente” para provar o crime ou se houve apenas um “engano”. Ademais, a “assistência jurídica” na fase policial seja perante a PM ou perante a Polícia Civil costuma ser mais produtiva do que na fase judicial. Mas, para isto precisaríamos de um outro modelo de advocacia no Brasil, como já existe na Europa e nos Estados Unidos com os planos de assistência jurídica em que a pessoa liga para o número do plano e tem atendimento 24 horas. No Brasil, a advocacia de Delegacia é considerada menos nobre que a advocacia de Fórum em razão da formação elitista dos cursos de Direito. E nem se fala em eventual hipótese de corrupção, mas quando o advogado acompanha desde a fase de lavratura do BO tem muita mais chance de efetuar a defesa e até mesmo evitar a prisão provisória.
Outra medida importante é acabar com o monopólio de pobre que o atual Governo vem impondo com a estatização da assistência jurídica, o que tem dificultado os réus de escolherem advogados de confiança e que acaba gerando uma estranha figura em que Estado acusa e Estado defende, o que contribuiu para aumentar a quantidade de presos em 40% nos últimos oito anos.
No inconsciente coletivo a tendência natural é achar que crime é apenas furto, roubo, tráfico e homicídio, além de algumas agressões verbais e físicas, como estupro, lesão corporal e outros delitos desta natureza. Como a população não sabe o que é crime, tem dificuldade de comunicar à polícia e não há no Brasil um site explicando os crimes, nem mesmo no sites policiais e isto acaba dificultando. Aparentemente, há um desinteresse em democratizar estas informações, pois quanto mais esotérico, mais empodera o meio policial e o jurídico.
Outro ponto que tem passado despercebido pelas pesquisas é saber diferenciar em criminoso habitual e criminoso eventual. Este último retorna naturalmente à sociedade. Por exemplo, o que cometeu um acidente de trânsito, mas o criminoso que vive de dar golpes dificilmente abandonará esta vida.
Raramente se vê arrependimentos reais por parte do criminoso, este tende a se colocar quase sempre no papel de vítima, o que é reforçado pela atual concepção social de que é um “coitadinho”.  Quase nunca o criminoso se preocupa em reparar o dano ou com a situação da vítima, mas sempre é muito exigente com os seus direitos.  Mesmo quando descumpre as regras da execução penal não se sente envergonhado de pedir para que se descumpra a lei para lhe dar uma nova chance e para que não sofra sanção, afinal sempre tem uma história de “perseguição” para contar.
Um grande erro das pesquisas e da sociedade é considerar criminoso apenas quem está preso, mas sem computar os que cumprem pena alternativa. Além disso, temos criminosos que não foram descobertos (e que não são poucos), temos condenados que não cumprem pena por estarem foragidos (estima-se em 300 mil pessoas).
No Brasil estamos no absurdo de não se poder divulgar que alguém foi condenado, pois viola a sua imagem. O errado passou a ser o exemplo e uma espécie de mártir.
É preciso repensar esta filosofia atual, pois quem dirige embriagado o faz por que quis e não porque a sociedade o reprime, logo é um coitadinho. O mesmo valendo para outros crimes como assaltos a bancos, estupros, assassinatos, golpes e muito mais. A punição destes é essencial para que haja prevenção e os demais não cometam os mesmos delitos, e isto vai gerar a diminuição da quantidade de presos, o que não ocorre quando tratados como coitados. Não se defende punições humilhantes, mas durante o cumprimento de pena alternativa, por exemplo, deveria usar o jaleco quando prestasse serviço como é nos Estados Unidos.
De forma paradoxal, quanto mais tratarmos os criminosos como coitadinhos, mais os crimes aumentam e mais as prisões também. As pessoas precisam ter vergonha de ter cometido o crime, o que não implica em punições desumanas, mas as sanções devem ser rápidas e não pode um processo durar vinte anos com base na ampla defesa, pois para tudo é preciso ter limites.
Por fim, pobreza gera crime? A pobreza não gera crime em si, mas o pobre ou pessoa com poucos recursos ou estudos tende a cometer crimes de furto, roubo e pequenos tráficos, enquanto as pessoas mais ricas ou mais estudadas tendem a cometer crimes mais elaborados ou a ficarem na parte intelectual, o que é mais difícil de provar, e se for comprovado e condenado, a pena é mais leve.

Portanto, a pobreza ou a desigualdade social tende a gerar determinados tipos de crime menos elaborados, e não o crime em si, sendo que a maioria dos crimes é cometida por questão de caráter, expectativa de impunidade, ambição e ausência de interesse em manter uma rotina de trabalho. A rigor, cada um comete o delito dentro de sua habilidade intelectual ou social, sendo que os crimes de furto e roubo, bem como pequenos tráficos são menos complexos para serem cometidos e normalmente as pessoas menos instruídas cometem este delito, enquanto as mais instruídas cometem crimes similares a golpes e são mais difíceis de serem provados, além de comportarem penas alternativas, por isto há menos presos, o que não significa que tais crimes não ocorram. Em suma, tanto ricos como pobres cometem crimes, variando apenas o tipo de crime para cada classe social, logo a questão é de oportunidade, caráter, risco e conseqüência.
fONTE: Luis andré melo

sábado, 16 de abril de 2011

Entidades negras silenciam sobre queima de bandeira







Brasília - Três dias após o ato, nenhuma entidade do Movimento Negro nem qualquer liderança se solidarizou até agora com o protesto solitário de Paulo Sérgio Ferreira (foto), de 38 anos, que, na última quarta-feira (13/04) escalou o mastro de 120 metros para queimar a bandeira do Brasil que fica na Praça dos Três Poderes, em protesto contra o racismo e a matança de negros no país.


Ele ficou preso no Presídio da Papuda, em Brasília, por determinação da Superintendência da Polícia Federal, mas foi solto 24 horas depois, na quinta, graças as intervenção da Defensoria Pública da União.

Um dia após ser libertado, porém, Ferreira voltou nesta sexta-feira (15/04), a Praça dos Três Poderes, desta vez enrolado numa bandeira brasileira e tentou silenciosamente chamar a atenção dos deputados, senadores e da Presidência da República para a discriminação contra os negros.

Agentes da PF teriam chegado a conclusão de que o homem sofreria das faculdades mentais, conclusão que, segundoAfropress apurou, coincide com a das lideranças das entidades e articulações do movimento negro, daí o silêncio em torno do caso.

A própria PF, porém, se encarregou de pedir sua prisão preventiva e foi responsável pela condução à carceragem da Papuda, onde deveria ficar por cinco dias à disposição da Justiça, procedimento que não é compatível com alguém com diagnóstico de alguém com problemas mentais.

Segundo o Mapa da Violência 2011, divulgado pelo Ministério da Justiça, em fevereiro passado, de cada 3 homicídios praticados no Brasil, dois atingem jovens negros. Também o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), afirma que um jovem negro tem 3,7 vezes mais chances de ser morto antes de completar 18 anos que um jovem branco.

Perseguição

Ferreira se diz perseguido por ser negro e que é inocente de uma acusação de assassinato de uma família no Estado de S. Paulo. “Nós vivemos uma falsa democracia onde o povo não tem direito de falar o que pensa e não pode manifestar-se contra as coisas impostas pelo poder público. Procurei ajuda no Ministério Público Federal, na Comissão de Direitos Humanos do Congresso Nacional, fui até a Polícia Federal e ninguém resolve o meu problema”, desabafou.

Ele responderá por porte de produtos inflamáveis e crime de dano ao patrimônio da União e deverá comparecer em oito dias para prestar depoimento à Polícia Federal. Ele também não pode sair do Distrito Federal até que preste depoimento. Se condenado, pode pegar de três meses a seis anos de prisão.

Ferreira é de S. Paulo e disse que há um ano mora no Riacho Fundo, na periferia de Brasília, e trabalha numa cooperativa de reciclagem. Antes disso contou que viajava de bicicleta pela América Latina, nos últimos anos, e conta teer começado a ser perseguido, chegando a ser preso por um dia na Embaixada do Brasil na Colômbia.

Prisão e liberdade

O autor do protesto, que foi noticiado pelos principais meios de comunicação no Brasil disse que a motivação para queimar a bandeira foi chamar “atenção para a situação dos negros no país”.

Ele foi solto da Polícia Federal graças a intervenção da Defensoria Pública da União. Para o defensor Lúcio Guedes, que pediu o relaxamento da prisão preventiva que havia sido pedida pela Superintendência da Polícia Federal, não havia razão para que continuasse preso. “O réu não oferecia riscos à ordem pública, nem demonstrava intenção de perturbar a busca da verdade real, muito menos estava perturbando a instrução criminal, afugentando ou ameaçando testemunhas”, afirmou Guedes.

O Ouvidor da SEPPIR, Carlos Alberto de Souza Silva e Júnior, disse ter acompanhado as gestões feitas para libertação de Ferreira. “Quando há a possibilidade da negação dos direitos do cidadão em função da questão racial, a SEPPIR tem que monitorar a sequência dos fatos e adotar medidas que se façam necessárias a cada caso“, declarou.

Pelo destaque na página da SEPPIR, a ação do Ouvidor sugere ter sido recomendada pela própria ministra chefe Luiza Bairros. Na página, a notícia estampada tem o título. "SEPPIR acompanha soltura de Paulo Sérgio Ferreira - preso ao protestar contra racismo no Brasil".



Fonte: Afropress

sábado, 9 de abril de 2011

No futebol o negro não serve para pensar


Racismo no Futebol: Pesquisador da USP diz que negros não ocupam cargos de diretoria

No imaginário brasileiro, existe a ideia de que no meio futebolístico as relações raciais são leves e brandas, como se não houvesse discriminação por cor, e como se nos campos o negro tivesse um espaço ‘garantido’, ‘respeitado’. No entanto, uma série de histórias de vida e experiências contadas por jogadores, dirigentes, treinadores, árbitros, torcedores, jornalistas e intelectuais, seguidas das análises feitas pelo pesquisador Marcel Diego Tonini, revelam o caráter ainda racista dos bastidores do futebol, principalmente quando o que está em jogo é o comando de clubes e federações, ou seja, os cargos de chefia e liderança “além dos gramados”.

Percebendo que as pesquisas já realizadas a respeito do tema ‘negro no futebol brasileiro’ abordavam exclusivamente os jogadores, Tonini decidiu analisar outros profissionais desse universo. Assim, apresentou em seu trabalho um novo olhar sobre o tema, utilizando como ferramenta de estudo o registro das histórias orais da vida de pessoas que trabalham no campo e nos bastidores.

Os relatos demonstram como o racismo ainda é assunto ‘tabu’ no Brasil, evidenciando o histórico brasileiro de não discussão do tema, inclusive no meio futebolístico. “O ‘interior’ do futebol funciona na mesma direção da própria sociedade: uma ‘área rígida’ para as relações raciais, na qual ser negro ainda é empecilho para ascensão profissional”, salienta o pesquisador. “Nas 20 entrevistas, negros e brancos mediam palavras, como se o próprio ato de conversar sobre o tema significasse que eram racistas”, completa.

Segundo Tonini, o estudo das histórias narradas pelos próprios negros que vivenciaram situações de discriminação, com experiências dentro do jogo e relacionamentos nos bastidores, representa um caminho eficaz para o desenvolvimento da investigação sobre as relações raciais no Brasil.

As histórias de vida

Para realizar a pesquisa  Além dos gramados: história oral de vida de negros no futebol brasileiro (1970-2010), Tonini entrevistou, entre outros, o ex-jogador Junior, do Flamengo; Jairo, que foi goleiro do Corinthians, e João Paulo Araújo, árbitro que atuou nas décadas de 1980 e 1990. Além deles, outras personalidades conversaram com Tonini, como Paulo César de Oliveira, árbitro, e os dirigentes do Juventude, do Grêmio e do Cruzeiro – times marcados por histórias polêmicas relacionadas à discriminação.

De acordo com o autor, a ideia do negro como jogador, e não como dirigente, ou técnico, já é algo comum e estabelecido no imaginário da sociedade. Essa concepção se confirmou por meio das entrevistas, que revelavam experiências de infância e dos dias atuais. Os relatos possibilitaram ao pesquisador entender como pensam os próprios sujeitos dos campos e bastidores quando o que está em pauta é o racismo no futebol.

“O intuito era acrescentar para a literatura dados qualitativos relevantes, referentes ao período de tempo compreendido entre os anos de 1970 e 2010; um recorte recente da nossa trajetória futebolística”, acrescenta.

Dirigentes brancos

Tonini pôde conlcuir que, mesmo no mundo do futebol, se mantém a mentalidade de que o negro não serve para pensar. Sendo incapaz de comandar, deve apenas obedecer. “Trata-se de uma herança do ideário escravocrata. Nesse contexto, podemos questionar, por exemplo, por que a maioria dos dirigentes é branca”, indaga o pesquisador.

“Geralmente, esses líderes vêm de famílias abastadas, já tendo sido sócios do clube. O fato de o branco ter mais oportunidades que o negro é uma questão relacionada à construção da história brasileira, marcada pela escravidão. A partir do momento que decidem que no futebol os dirigentes de clubes não são remunerados, consolida-se uma das várias maneiras de não deixar que o negro seja inserido nesses cargos de chefia. Até porque, nem aqueles jogadores negros que tiveram uma projeção conseguiram galgar a hierarquia do universo futebolístico”, explica Tonini.

Obstáculos da cor

Não conseguir apitar uma final de campeonato, por exemplo, foi um dos obstáculos enfrentados pelo entrevistado João Paulo Araújo. O ex-árbitro afirma não ter vivido essa experiência por causa da cor de sua pele. Andrade, ex-técnico do Flamengo, vencedor do Campeonato Brasileiro de 2009, não foi mais contratado por nenhum outro grande clube depois de ser demitido em 2010. Ele também é negro.

O relato de Junior, ex-jogador do Flamengo nas décadas de 1970, 1980 e 1990, que veio a ser treinador, abordou o caso da faixa estendida por torcedores em uma partida na Itália, onde estava escrito “Junior, negro sujo”. Tonini conta que o atleta veio de família rica do nordeste – uma exceção no contexto do futebol -, e que, provavelmente por conta disso, não se veja como negro, afirmando ainda não ter sofrido discriminação no Brasil.

“Mas outros três relatos me chamaram atenção: os dos próprios dirigentes”, conta o pesquisador. “Quando perguntei sobre o caso de racismo que aconteceu em uma partida entre Grêmio e Cruzeiro, que inclusive teve repercussão na grande mídia, os dirigentes de ambos os clubes tentaram, de certa forma, minimizá-los, como se fossem meras casualidades, e não discriminação racial. Talvez, se dependesse deles, casos como esse não receberiam atenção”, aponta Tonini.

Fonte: Afrokut